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Entrevista | Reitor da Unoesc prevê grande transformação do modelo educacional brasileiro pós-pandemia

Por: Marcos Schettini
12/08/2020 13:50 - Atualizado em 12/08/2020 13:53
Arquivo/Lê Notícias

Reitor da Universidade do Oeste de Santa Catarina há 16 anos, eleito para continuar no comando da Unoesc até 2024, Aristides Cimadon ganhou notoriedade nacional ao ser cotado para assumir o Ministério da Educação no início de julho.

Abençoado pelo senador Jorginho Mello, Cimadon esteve em Brasília e conversou com o presidente da República, Jair Bolsonaro, mas acabou sendo indicado ao Conselho Nacional de Educação, que é um dos órgãos de maior importância dentro do sistema educacional brasileiro, responsável por acompanhar a elaboração e execução do Plano Nacional de Educação (PNE).

Em entrevista exclusiva concedida ao jornalista Marcos Schettini, o reitor da Unoesc avaliou a educação no Brasil, apontou falhas e correções necessárias, falou da conversa com Bolsonaro e analisou o futuro da educação após o cenário de pandemia. Confira:


Marcos Schettini: Qual sua avaliação do ensino hoje no Brasil?

Aristides Cimadon: A educação no Brasil também está vivendo uma das crises mais agudas de sua história. O Brasil sempre teve uma estrutura educacional injusta. As instituições públicas de educação básica são destinadas a acolher os estudantes de famílias mais economicamente carentes, com raras exceções, e as instituições superiores públicas criadas ao modelo napoleônico, para atender as elites nacionais. Há uma inversão: os mais carentes estudam nas escolas públicas e aqueles de melhores condições econômicas nas escolas privadas, quando crianças e adolescentes. Na educação superior, os mais carentes, em geral, buscam instituições privadas que cobram mensalidades e os de melhores condições estão nas instituições públicas. Evidentemente que há exceções. Houve, ao longo do tempo, criação de programas de bolsas e cotas que auxiliaram um pouco essa disparidade. Todavia são paliativos que camuflam a qualidade.

A educação básica no Brasil é uma lástima. Somos os últimos colocados em qualidade nos países do mundo nos exames do PISA. Na América Latina ganhamos apenas de Cuba e Venezuela. Na Educação Superior temos algumas das melhores instituições da América, mas, em geral, estamos distantes de uma formação de qualidade e não atingimos os percentuais do Plano Nacional de Educação. Da faixa etária dos 18 a 24 anos temos 19% nas instituições de educação superior. A meta prevista é de 33% até 2024. Simplesmente inalcançável. Na América Latina, ocupamos o último lugar de percentual da população com educação superior. Enfim, a qualificação de professores em todos os graus de ensino é muito ruim, sobretudo na educação básica. E, o pior, o Brasil gasta um dos maiores percentuais do PIB do mundo nesse quesito. Então pergunta-se, porque a educação é tão ruim. São inúmeras variáveis das quais, a mais importante, na minha visão, é a gestão da educação brasileira. Dela decorre um entulho normativo criado nos últimos 30 anos com objetivo de manter a ignorância e a miséria cultural. Em nome de um discurso democrático, libertário e participativo, criou-se uma rede catastrófica de armadilhas que levaram à indisciplina, o desprezo pelo professor, a politicagem eleitoreira na distribuição de cargos e a educação, escola e a ciência transformadas em discursos perversos que transformaram a educação brasileira numa situação que entristece os educadores que sonham com uma país de oportunidades.

Schettini: O ex-ministro Abraham Weintraub não sufocou o ensino e caiu por isso?

Cimadon: Não. O ministro Weintraub apontou para muitas feridas da educação nacional. O problema é que ele radicalizou com certa agressividade, sobretudo no combate a ideologias e a rede “esquerdopata” que se instalou na escola e, sobretudo, na universidade. Faltou ao ministro um plano de trabalho para qualificar e dar oportunidade para o crescimento da qualidade da educação, sobretudo com programas de formação de professores. Em educação, tudo é construído pelo diálogo. Há muita gente boa nas universidades federais e estaduais ou municipais públicas. É verdade que há nelas um enraizamento de uma ideologia socialista ultrapassada, mas há grupos, cientistas e programas de produção de conhecimento de excelência. Penso que faltou ao ministro um assessoramento de qualidade para começar uma reforma da educação brasileira superior.

Schettini: O que é a Escola Sem Partido?

Cimadon: A Escola Sem Partido é um movimento que nasceu para combater os extremismos nas instituições de ensino, com fundamento socialista, que procuraram minar os valores cristãos da sociedade e da família, como é o caso da ideologia de gênero e por aí vai. Essa ideologia contraria a valores da família começou a incomodar e surgiram, daí, Projetos de Lei na Câmara e Senado para criar regrar e proibir cartilhas e discursos de professores que usam a sala de aula, sobretudo as crianças, para inculcar ideias distas “comunistas” e contrárias aos valores cristãos. O Brasil tem a cultura que resolve tudo criando leis. Os processos normativos são fundamentais, mas há necessidade de um bom programa de formação, cujos critérios de permanência na educação sejam medidos por avaliações com indicadores de qualidade respondidos por seus alunos.


Schettini: O Sr. se observa não indicado a ministro da Educação por fritura bolsonarista?

Cimadon: Não. Eu fui indicado pelo senador Jorginho Mello. Mas também a bancada catarinense de muitos deputados de vários partidos solidarizou-se pela indicação. Tivemos com o presidente Bolsonaro um longa e boa conversa por mais de uma hora, onde eu tive a oportunidade de apontar o que eu pensava e ele também externou seus pensamentos. Nós comungamos das mesmas ideias: o Brasil precisa voltar todos os esforços para a educação básica; fortalecer a formação e valorização dos professores; reformular o entulho normativo que se criou na educação. O presidente quer o bem do país e sabe que a mola propulsora disso é a qualidade da educação. Mas isso não se faz de hoje para amanhã. Penso que não fui frito, eu fui conduzido com uma missão no Conselho Nacional de Educação.


Schettini: O que precisa ser mudado na Educação para o Brasil avançar rumo ao futuro?

Cimadon: Tudo. Evidente que muita coisa positiva em marcha. Mas, de primeira mão, o que precisa mudar é a formação de professores. Infelizmente, a grande maioria dos professores, hoje, está sendo formada por escolas de ensino a distância, que tem objetivo econômico e, com raras exceções, de qualidade muito ruim. Nosso professor de educação básica precisa ser formado por cursos de qualidade, com incentivo do Estado, precisa sofrer processo de avaliação e educação continuada.


Schettini: A Unoesc tem quais estratégias para suplantar este cenário de pandemia?

Cimadon: A Unoesc está bem estruturada. Evidente que não esperava um momento tão difícil como esse. Mas está qualificando sua base tecnológica para atender a formação em todos seus itinerários e com qualidade. Infelizmente, nosso Grande Oeste carece de estrutura de rede de comunicação e internet com maior potência e qualidade. Nossos professores estão fazendo um esforço de readaptação.


Schettini: É certo afirmar que o ensino a distância veio para ficar?

Cimadon: Sim. O ensino a distância é uma modalidade importante. Mas do jeito que está ele tenderá a desaparecer. As pessoas vão precisar de mais formação e menos diploma. Nós entraremos numa regulação da educação que não haverá mais essa diferença de ensino à distância e ensino presencial. Nós vamos falar de educação, de formação. Os cursos terão sua metodologia cujas atividades e itinerários formativos serão em parte presenciais (atividades práticas, laboratórios, pesquisas, experiências, estágios etc.) e outras em que o aluno aprende remotamente, mediado e em interação com professores. Teremos muitas mudanças após a pandemia.

Schettini: O conteúdo do ensino não presencial não fragiliza o conhecimento?

Cimadon: Depende do seu formato. Infelizmente, temos muitas instituições que vendem diploma, isto é, são facilitadoras para que o aluno obtenha o diploma sem muito esforço. Essas instituições tendem a acabar. O Brasil é um país cartorial que valoriza muito o diploma. Mas a realidade está mostrando que só o diploma não interessa. É preciso que o profissional mostre competências, cada vez mais complexas. Nesse sentido, os bons empregos serão dos jovens com boa formação. Eu sempre digo: é mentira que todos os diplomas de educação superior são iguais. Há os que fazem muita diferença. Nossos alunos de engenharia, por exemplo, são buscados na Unoesc, antes de se formarem. Aliás, um bom estágio com aprendizagens práticas são fundamentais para uma boa formação. Quando o ensino a distância não proporciona aprendizagem por experiência ele perde em qualidade. Quando ele não oferece um processo de avaliação com rigor, também deixa de ter qualidade.


Schettini: Pode o profissional do futuro, com ensino não presencial, se impor pela competência?

Cimadon: Pode sim. Há cursos não presenciais de extrema qualidade no mundo todo. Mas esses cursos são mesclados com mutas atividades de laboratórios presenciais e aprendizagens por experiências e acompanhamento de professores altamente renomados. Também depende muito do aluno e sua capacidade de estudar sozinho. Todavia, minha experiência diz que, em geral, ensino a distância sem que haja encontros de relacionamentos, troca de experiência, atividades práticas presenciais etc. têm dificuldade de oferecer boa formação, sobretudo entre nós, onde o ensino médio é muito ruim.


Schettini: O que fez do Brasil uma referência de Nação analfabeta?

Cimadon: Vou responder em poucas linhas, porque essa questão poderia ocupar páginas e horas de conversa. Historicamente, o Brasil sempre foi um país de analfabetos. A prioridade na educação sempre foi objeto de discurso eleitoreiro. Nós evoluímos em muitos aspectos. Porém, se comparados aos países desenvolvidos estamos muito atrasados. Na minha visão, a partir de 1996, com a LDB e a falta de uma política de Estado sobre Educação, sob inspiração da ideologia socialista, criou-se um entulho regulatório e uma estrutura educacional perversa que retirou a autoridade do professor, a autonomia da escola e construiu uma legislação fundada no Estatuto da Criança e do Adolescente que levou nosso país a esse estado de miséria cultural.


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